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Influência da Discrepância de Comprimento dos Membros Inferiores Sobre a Lombalgia
A discrepância de comprimento dos membros inferiores, estrutural ou funcional (MCCAW; BATES, 1991; BURKE; PRUITT, 2003; PRUITT; MATHENY, 2006), é outro fator etiológico da lombalgia em ciclistas (MELLION, 1994; SANNER; O’HALLORAN, 2000; PRUITT; MATHENY, 2006; BURKE; PRUITT, 2006; GÓMEZ-PUERTO et al., 2008). A discrepância estrutural deve-se à ocorrência de membros inferiores com diferentes comprimentos, enquanto a discrepância de origem funcional resulta de uma adaptação funcional, como pronação do arco plantar longitudinal (BOLZ; DAVIES, 1984; MCCAW; BATES, 1991; PRUITT; MATHENY, 2006), ou mesmo desequilíbrio na produção de força aplicada no pedal (CARPES et al. 2010). A discrepância estrutural é corrigida utilizando um calço entre o taco e o solado da sapatilha (MELLION, 1994; PRUITT; MATHENY, 2006).
O uso de calço para correção da discrepância de comprimento ultrapassou a indicação para a população em geral e passou a ser realidade nos esportes, como corrida e ciclismo. Pruitt (2006) relata um caso de discrepância de comprimento de membros inferiores em Eddy Merckx, condição que pode ter sido a causa do desconforto que o ciclista sentia ao pedalar e que poderia ter sido corrigida pelo uso de calço. Merckx foi um ciclista profissional que ganhou destaque no esporte pelo seu grande desempenho e pelo hábito de ajustes sucessivos na altura do selim durante as provas.
Para avaliar a influência dos calços na correção da discrepância no comprimento dos membros inferiores e subsequente alívio de dor lombar em não-ciclistas Golightly et al. (2007) realizaram um estudo com doze voluntários com histórico de lombalgia e discrepância de comprimento variando de um a trinta anos e 6,4 a 22,2 mm, respectivamente. Os autores observaram que a correção de 61 ± 24% da discrepância pelo uso de calço resultou em diminuição da dor lombar em 75% dos participantes. De acordo com Brady et al. (2003), o alívio da dor lombar em pessoas de mais idade com presença de discrepância tende a ser menos pronunciável quando comparado a pessoas jovens, provavelmente porque apresentam compensação já estruturada. Para a melhor adaptação e controle do alívio dos sintomas na população em geral e em corredores, Brady et al. (2003) e Golightly et al. (2007) recomendam a indicação de calço para correção gradual, colocadas no interior do calçado, podendo ainda ser providenciada no solado também.
Uma realidade semelhante a dos corredores ocorre entre ciclistas. Como o ciclista com discrepância de comprimento dos membros inferiores apresenta uma inclinação pélvica em relação ao membro mais curto, esta diferença pode levar à formação de uma escoliose lombar compensatória de convexidade direcionada ao lado do membro mais curto e compressão do disco intervertebral no lado da concavidade. Esta característica biomecânica alterada favorece a protusão discal e pinçamento da raiz nervosa (MCCAW; BATES, 1991). De acordo com McCaw e Bates (1991), quanto maior a discrepância de comprimento dos membros inferiores maior é o grau de escoliose. Além disso, a convexidade lombar produz um padrão de assimetria da atividade muscular em paravertebrais, tensor da fáscia lata e ísquios-tibiais, sendo a maior atividade ipsilateral ao membro mais comprido, e consequentemente, à concavidade do desvio gerado (BOLZ; DAVIES, 1984).
A discrepância de comprimento dos membros inferiores é responsável também por aumentar o risco de osteoartrite do quadril, ciatalgia, bursite trocanteriana e síndrome da banda ílio-tibial no membro de maior comprimento, resultando em tensionamento excessivo da fáscia lata, promovido pela inclinação pélvica sobre o trocânter maior e côndilo femoral lateral (BOLZ; DAVIES, 1984; MCCAW; BATES, 1991). A bursite trocanteriana (SANNER; O’HALLORAN, 2000) e a síndrome da banda ílio-tibial (SANNER; O’HALLORAN, 2000) também podem decorrer de um encurtamento do glúteo máximo, visto que este músculo apresenta inserção na banda ílio-tibial. Neste caso, ciclistas que aplicam tensão excessiva sobre a fáscia lata, podem aumentar a fricção sobre o trocânter maior e côndilo femoral lateral.
A indicação de correção da discrepância de comprimento dos membros inferiores é determinada a partir da magnitude da assimetria diagnosticada pela mensuração da distância da espinha ilíaca ântero-superior ao maléolo medial (BRADY et al., 2003; DI ALENCAR; MATIAS, 2009) ou por meio de um exame de imagem denominado por escanometria (BRADY et al., 2003; BURKE; PRUITT, 2003; PRUITT; MATHENY, 2006). Enquanto para Callaghan (2005) a discrepância maior ou igual a 6,4 mm é caracterizada como significativa, Burke e Pruitt (2003) relatam que a correção de discrepância menor ou igual a 4 mm só necessita de correção em casos sintomáticos.
Em posição ortostática a pessoa com discrepância de comprimento compensa o desequilíbrio dos membros flexionando ligeiramente o joelho do membro mais comprido (BOLZ; DAVIES, 1984). Este mecanismo de compensação justifica a conduta defendida por Burke e Pruitt (2003) para corrigir a discrepância de comprimento em ciclistas. Burke e Pruitt (2003) relatam que se o ciclista apresenta uma discrepância de 6 mm, a correção é feita colocando um calço de 3 mm entre o taco e a sapatilha, associado à posteriorização do taco em 1 mm na sapatilha do membro mais comprido (levando o pé para frente) e anteriorização em 1 mm na sapatilha do membro mais curto (levando o pé para trás). Para estes autores, um ciclista com discrepância inferior a 6 mm deve ter o taco movido para frente de 1 a 2 mm no membro mais curto ou para trás de 1 a 2 mm no membro mais comprido.
Em situações nas quais a discrepância ultrapasse 6 mm, a correção é feita por meio da utilização de calço de material resistente à deformação por compressão, instalado entre o taco e o solado da sapatilha (PRUITT; MATHENY, 2006), por ser esta a zona de contato do pé com o pedal. Recomenda-se a utilização de calços para correção de até 50% da discrepância diagnosticada, pois em muitos casos a estrutura musculoesquelética já buscou se adaptar por meio de compensação biomecânica (e.g. alteração dos ângulos articulares) e a realização de uma correção total poderia trazer mais desconforto ao invés de alívio (BRADY et al., 2003; PRUITT; MATHENY, 2006; GOLIGHTLY et al., 2007).
Bolz e Davies (1984) relatam que em pessoas com discrepância de membros inferiores o membro inferior mais curto apresenta menor capacidade de produzir força. Partindo deste achado é possível hipotetizar que além da alteração biomecânica proveniente da discrepância espera-se que o membro mais comprido aplique mais força ao pedal, resultando em assimetria de torque, sobrecarregando a musculatura do membro inferior e levar à tensão lombo-pélvica ipsilateral ao membro mais comprido. Há carência de estudos até o momento proporcionando evidências para estas hipóteses.
Fonte: Di Alencar TAM, Matias KFS, Bini RR, Carpes FP. Revisão Etiológica da Lombalgia em Ciclistas. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, 2011; 33(2): 507-528.
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